quarta-feira, 4 de maio de 2011

Crônicas e blá blá blá...

Uma das coisas que mais gosto nessa vida é ler. Não gosto de ler porque sou jornalista. Sou jornalista porque gosto de ler. Poderia ser trapezista do Cirque Du Soleil e, mesmo assim, continuaria gostando.
E sabe o que eu mais gosto de ler? Crônicas. Acho que gosto muito de crônicas porque conta, de forma breve, um fato da vida real. E não somente isso (porque se fosse assim, ficaria satisfeita em ler notícias apenas). A crônica tem o poder de expressar o fato testemunhado... ou melhor, vivido pelo seu autor.



A crônica vem carregada de emoções, peculiaridades, particularidades. Permite-se até o uso de palavrões, gírias, sinceridades. E isso é o que realmente me toca. Acredito que esses motivos pelos quais adoro crônicas vêm do meu lado psicóloga. Mas enfim.
Sei que preciso ler ainda mais do que já leio hoje (que não é tanto quanto deveria). Mas quando um livro de crônicas chega à minha mão, fico que nem pinto no lixo. E isso aconteceu na tarde de ontem, ao deixar um amigo que ia para uma entrevista na porta de uma grande emissora de TV.
Sem poder entrar, e com preguiça de esperar por quatro horas, decidi ir ao shopping mais próximo. O que uma moça, com 24 anos recém completados, poderia fazer no shopping? A resposta mais óbvia seria: olhar roupas. Surpreendi-me comigo mesma ao entrar em uma grande loja, dessas que fabricam roupas em série, ao estilo fordista de produção, olhas as primeiras araras, sem ao menos tocá-las, e pensar "ei, eu não quero ver roupas!".
Saí da loja, sem rumo, e andando pelo intermináveis, cansativos e escorregadios corredores daquele lugar (programa que geralmente dispenso), eis que brilha na minha frente, como uma aparição mariana, o letreiro de uma livraria. Nossa, há quanto tempo não entrava, "de cabeça", em uma livraria?
Meu primeiro deleite foi na parte de CDs. Queria o disco de uma cantora chamada Adele, mas não encontrei. Só via duplas sertanjeas. Fiquei, inclusive, impressionada com a quantidade lançada no mercado. Será que, mesmo essa galera fanática por sertanejo, conhece todas elas?
Enfim, eu estava estreando o sapato preto que ganhei no meu aniversário. Sempre fui encantada pelo "poc, poc" desses sapatos altos. Acho elegante. E enquanto andava entre as prateleiras, sensações orgásticas me invadiam com este prazer infantil, que sempre me fez associar este som à imagem de "mulher de sucesso". E esse "poc, poc" foi me acompanhando às prateleiras de livros.
Primeiro, avistei a área de Psicologia, passando em seguida a área de auto-ajuda (é impressionante a quantidade de livros nessa prateleira), seguindo para os best-sellers (e me perguntei como alguns daqueles livros ali expostos poderiam ser considerados best-sellers) chegando, enfim, às minhas partes favoritas: literaturas estrangeira e nacional.
Peguei um livro cujo título e a orelha me chamaram muito a atenção. Pensei até em comprar, a princípio, mas minha intuição disse: "passa uma olhada nas páginas, Lara". Sentei-me em uma mesa próxima. À minha frente, uma moça bem loira, com sardas no rosto, fazia o mesmo. Pedi licença e sentei.
A princípio o texto se mostrou bem interessante, apesar de não ser um dos meus estilos favoritos. Era a história de uma menina, que morava na casa de um tio que jamais tinha visto, e que havia deixado a ordem para suas governantas de não ensinar sua sobrinha a ler. O motivo? O babaca, anos antes, havia se apaixonado por uma moça bobinha e, por causa disso, resolveu intelecualizá-la. A moça, antes apaixonada por ele, seguiu para Nova York e estudou artes, música, filosofia e afins.
E ficou inteligente! Se deu conta que amava um idiota machista que a havia mandado para estudar pois amar uma iletrada era inadmissível e precisam igualar seus intelectos (o panaca não a achava suficiente para ele). Bem feito! Ela o largou por outro.
Pobre da sobrinha dele. Pagou o pato por uma frustração antiga. Mas era entre as prateleiras da biblioteca escondida e empoeirada do tio que, aos poucos, as palavras iam sendo desvendadas como hieróglifos.
Tá, tudo bem. A história foi interessante até esse ponto. Quando percebi que o sono foi batendo e, para disfarçar, segurava a cabeça com uma das mãos para tirar um conchilo, fingindo estar acordada, pensei que era hora de fechar o livro e procurar outra coisa para ler.
Fiquei alguns minutos sentada àquela mesa, pensando no que gostaria de ler até que me veio à cabeça a preferência por crônicas. E surgiu um nome conhecido dentre meus arquivos mentais: Tati Bernardi. Parece nome de escritora infantil, mas já antecipo: de literatura infantil não tem nada.
Já havia lido alguns textos no site dela, terapeuticamente prescritos por uma amiga semi-psicóloga (a chamo assim porque ela ainda não formou), e tinha me encantado pelo seu estilo literário particular. A Tati escreve sobre ela. E ela é o resumo de todas as mulheres do mundo entre 20 e 35 anos.
Pedi ao rapaz que organizava os livros, outrora retirados das prateleiras por outras pessoas, e que cheirava a algum perfume deliciosamente cítrico, que verificasse algum livro dela. O único disponível tinha um título meio jovial demais para o estilo da Tati e que, a princípio, me fez torcer o nariz. Chamava-se "Tô com vontade de uma coisa que eu não sei o que é". Livrei-me da capa do pré-conceito a qual estava vestida e mergulhei entre suas páginas. E me surpreendi. Muito.
A surpresa, até um tanto esperada, me fez perceber que muitas coisas descritas por ela nos textos são nóias que permeiam minha cabeça diariamente. Os conflitos sentidos por ela em determinados pontos são os mesmo vividos por mim. E pela Renatinha. E pela Talita. E pela Paula. E pela Rafa.
Em uma hora, lí metade do livro. O que me fez parar de ler e preferir comprá-lo que continuar lendo naquele lugar, foram duas coisas: o ar condicionado gelado em cima de mim e o barulho que uma velhinha sentada a minha frente (a moça loira e sardenta já tinha saído há tempos, sendo substituída por uma adolescente gordinha e depois por esta senhora) fazia quando respirava (parecia um ronco) e quando colocava o centeúdo de um saquinho branco, que carregava na mão, na boca.
E só abrindo um parêntese. É... é uma mania esquisita minha. Odeio barulhos feitos com a boca, tipo mastigação. O auge para mim é se alguém mastiga gelo ou alguma bala dura. Se quer algo gelado na boca, beba água gelada porra! E se quer chupar bala, chupe-a! Tenha paciência dela derreter em sua boca. Para que a pressa de acabá-la, mastigando assim que ela toca sua língua? Ok, voltemos ao assunto.
Os textos da Tati são interessantes porque fazem surgir em você vários tipos de sentimentos para com ela. Em um mesmo texto se sente confortada, a acha chata e reclamona e termina achando que não poderia haver final melhor. E o engraçado é que, quem vai até o final do livro para ver sua foto, não acredita que aquele rosto tão angelical escreveu palavras muitas vezes tão duras. Duras consigo mesma e duras com os infinitos amores por ela vividos. No final das contas, esperei pelo meu amigo não por quatro, mas por cinco horas e meia, que valeram por todo o meu dia.
Acho que tenho um quê de Tati Bernardi assim como de Renatinhas, Talitas, Paulas, Rafas, Giselles, Déboras, Julianas, Izabellas, Danielas, Clarissas, Marias. E todas me fazem ser essa Lara-minha-de-cada-dia. Essa Lara, que a cada dia, descobre ainda mais o quanto gostaria de ser escritora.

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