terça-feira, 10 de maio de 2011

Corriqueiro



Saudade. Palavra bonita, que pode significar tanto coisa boa como coisa ruim. É estranho pensar nessa dualidade, não? Como assim, uma palavra carregar o fardo de dois sentimentos tão antagônicos?
Eu já escrevi sobre saudade? Não sei. Mas se já, vou escrever de novo sobre algo que me consome há 24 anos. Como é que alguém pode conviver há mais ou menos 8760 dias com isso? Sei lá. Não consigo explicar o que acontece em apenas um dia, que dirá o que se passa em mim há tanto tempo. Tanta saudade... Tanta maldita saudade.
Saudade de você que me disse que já havia ido a lua. E de você que me ensinou verbos transitivos e intransitivos. De você que chorou com a carta quilométrica que eu e meus amigos lhe demos de presente. De você, que me ensinou o caminho pra achar o tesouro, sem precisar dizer onde ele realmente estava.
Saudade de você que me perguntou porque perder alguém querido doía tanto. E de você também, que sempre nas minhas explosões me disse "calma, Lara... vai dar tudo certo". Saudade de você que me chama de "coração", e de você que me chama de "Laríssima", e de você que me chama de "Lareca", e de você que me chama de "Laroca".
Nossa, que saudade de você que me apareceu com a roupa do corpo, somente com um pente, uma escova e uma pasta de dente no bolso, e conversou comigo até às 5h da manhã. Saudade até de você, que tanto fez intriga e inventou histórias minhas, mas me divertia tanto. E de você, com quem fiz uma música. E de você, fiel violão, hoje tão longe de mim.
Saudade da solidão sentida numa multidão. E do preenchimento sentido estando completamente sozinha. Saudade imensurável de você que me corrigia ao cortar errado uma figura para colar nos trabalhos da escola. E de você que me fazia olhar pela janela num dia chuvoso só para dizer que o dia seguinte seria um dia de sol.
Saudade das minhas calças tamanho 40, blusas "P" e pernas para andar de salto. Das esquinas secas de Roma, das calçadas cobertas de folhar de Paris e até mesmo das ruas ao contrário de Londres. Saudade dos seus whiskys com bobagens. Das suas manias de "coluna reta" e dos seus olhares tão maternais.
Saudade de velhos-novos amigos e de novos-velhos amigos. De suas expressões inventadas e nossas descobertas diárias. Saudade da sua paixão, do seu jeito marrento, da flor que você me deu. E das suas tiradas geniais. Até mesmo das suas pentelhices.
Saudade até do que nunca vivi. Do que simplesmente invento e finjo que acontece ou que um dia poderá acontecer. Saudade de um gosto. De um cheiro. De uma voz. De uns olhos. De umas mãos. De um hálito. De um certo silêncio. Nossa, que angustiante!
É tanta coisa pra sentir saudade que me perco até nas linhas e palavras. Perco-me nos ventos gelados que entram pela janela e na luz que me cega quando abro a cortina. E aqui, sozinha, sinto saudade da saudade que me consome diariamente. Calma. Já dizia o músico que você me apresentou. Você... que tem a culpa de toda essa saudade que hoje inundou meu peito e meu rosto. Mas deixa... deixa que a alma tenha a mesma idade que a idade do céu.

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